09/10/2025

STJ impede Fisco de alterar documento de cobrança de tributo

Por: Marcela Villar
Fonte: Valor Econômico
A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a Fazenda
Pública não pode substituir ou emendar a Certidão de Dívida Ativa (CDA)
para incluir, complementar ou modificar o fundamento legal do crédito
tributário. A vitória dos contribuintes é relevante para casos de erro na
cobrança do tributo. Com a decisão, o Fisco é obrigado a refazer a CDA, o
que pode dificultar novo lançamento tributário, pois ele precisa ser feito dentro
do prazo de decadência, de cinco anos.
Nos processos analisados, contribuintes questionavam cobranças de IPTU
feitas de forma genérica ou sem o fundamento legal correto. Em um deles, por
exemplo, a CDA indicava ISS mas usou o fundamento legal de IPTU. Em todos
os casos, o prazo para ajuizar nova cobrança decaiu. Na prática, a dívida será
extinta, pois a certidão da dívida ativa será anulada. Os municípios, contudo,
ainda podem recorrer da decisão do STJ.
O entendimento dos ministros foi unânime e em recurso repetitivo, assim,
vincula todos os casos do Judiciário. Ele é aplicado para todas as cobranças de
dívida ativa - da União, Estados e municípios. Porém, segundo especialistas,
deve afetar mais os municípios menores, sem tanta estrutura para a cobrança da
dívida ativa de forma automatizada.
O STJ analisou três recursos de municípios de Santa Catarina (Jaguaruna, Itapoá
e Garopaba). Os contribuintes recorriam de decisões do Tribunal de Justiça do
Estado (TJSC) que permitiram alterações em CDAs, com base em tese local
aprovada em julgamento de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas
(IRDR) - Tema nº 24.
Para o relator, o ministro Gurgel de Faria, a inscrição em dívida ativa, prevista
no artigo 2º, parágrafo 3º, da Lei nº 6.830 de 1980, é, por sua natureza, um “ato
de controle” da legalidade do crédito, produzida unilateralmente pelo credor.
Por isso, deve conter todos os elementos exigidos pela lei “sob pena de
impossibilitar-se a apuração da certeza e da liquidez da dívida”.
“É o único documento que instrumentalizará a inicial da execução fiscal”, disse
o ministro, na sessão de julgamento de ontem. “A deficiência na indicação do
fundamento legal da exação no bojo da CDA, que é título executivo
extrajudicial e que goza de certeza, liquidez e exigibilidade, espelha deficiência
no próprio ato de inscrição de dívida ou do lançamento que lhe deu origem,
não se configurando como simples erro formal sujeito a correção por mera
substituição do título executivo”, completou.
O ministro Gurgel de Faria fixou a seguinte tese: “Não é possível a Fazenda
Pública, ainda que antes da prolação da sentença de embargos, substituir ou
emendar a CDA para incluir, complementar ou modificar o fundamento legal
do crédito tributário” (REsp 2194706, REsp 2194708 e REsp 2194734).
Segundo a tributarista Tatiana Chiaradia, sócia do Candido Martins Cukier, o
entendimento do STJ afeta apenas mudança em relação ao fundamento legal,
pois, de acordo com o parágrafo 8º do artigo 2º da Lei nº 6830, de 1980, a CDA
pode ser emendada ou substituída até a decisão em primeira instância. “Essa
alteração somente pode versar sobre questões formais que não impactam a
apuração do crédito tributário”, diz a advogada, citando que não pode se alterar
a base de cálculo, alíquota, indicação do tributo, a fundamentação legal e dados
do sujeito passivo.
A decisão é uma grande vitória para os contribuintes”
— Maíra Vosgerau
Erros formais e materiais, como pequenos equívocos de inscrição, de ortografia
e de cálculo ainda permitem ao Fisco emendar ou substituir a CDA, desde que
antes da sentença nos embargos à execução, lembra a advogada Maíra Karoline
Iurck Vosgerau, do Castro Jr. Sociedade de Advogados, que atua em um dos
casos julgados. Ela se refere à permissão dada pela Súmula 392 do STJ.
Para Maíra, a decisão é uma “grande vitória para os contribuintes”. “Os
contribuintes, há largo período, passam por dificuldades ao apresentar defesas
com base em certidões de dívida ativa nulas, com informações equivocadas, o
que compromete a defesa, em ofensa aos princípios da ampla defesa,
contraditório, da legalidade e da própria segurança jurídica”, afirma.
O advogado Carlos Giacomo Jacomozzi, sócio do Jacomozzi & Marchetti Filla
Advogados Associados, que defende o contribuinte em outro caso da Corte,
diz que a decisão do STJ unifica o entendimento de que o fundamento legal da
CDA não pode ser alterado durante a execução fiscal. “O caso é de nulidade da
CDA e outra deverá ser expedida se não decorrido o prazo prescricional. A
decisão veio em boa hora e valerá para todo o Brasil”.
No caso de Jaguaruna, a cobrança foi questionada porque a CDA fazia
referência apenas ao Código Tributário Municipal, de forma genérica, sem
indicar o dispositivo legal específico que fundamentava o débito. O TJSC
reconheceu o erro, mas autorizou a substituição da certidão. A decisão foi
derrubada com o julgamento de ontem do STJ.
Para Matheus Scremin Santos, sócio do Matheus Santos Advogados, que atua
no caso, o entendimento dos ministros traz segurança jurídica e torna o
ambiente tributário brasileiro mais transparente e previsível. “A CDA é, em
essência, a linguagem oficial do Estado na cobrança de tributos, e, portanto,
deve refletir com exatidão o que está sendo exigido”, afirma Santos. Também
atuou na ação o advogado Luan Carlos Silvério de Jesus.
Procurados pelo Valor, os municípios de Jaguaruna, Itapoá e Garopaba não
deram retorno até o fechamento da edição.